quarta-feira, 21 de maio de 2014

Ode ao italiano ou uma crítica à institucionalização exagerada

(texto entregue ao Exmo. Sr. Embaixador Ricardo Neiva Tavares)

Uma experiência italiana que carregarei ...

 Hotel bonito, muito organizado, com mesa de deleitosas iguarias italianas, homens de 

terno com crachás pendurados ao redor do pescoço como só os congressistas o usam. Entrei 

numa sala relativamente pequena para um congresso, sobre as mesas rodeadas por 8 cadeiras 

cada, uma tela de mais de 40 polegadas piscava a imagem com o símbolo do congresso e o 

convidava a explorar com o dedo na tela as novidade da pneumologia. Foi nesse ambiente que 

por cerca de 8 horas a gravidade funcionou perfeita e intensamente arrastando a minha 

mandíbula e me mantendo boquiaberto, estupefato e fascinado com cada palavra, cada 

radiografia projetada nos slides de palestrantes que usavam com maestria seus míseros 

minutos, elevando os mesmos à categoria de tempo de aprendizagem intensa que só poderia 

ocorrer ali. Enquanto palestravam sobre DPOC e Asma, as telas touch screen sugeriam exercícios 

e discussões em cada bancada separadamente de modo que todos interagiam com o ambiente 

de construção de conhecimentos, tudo muito incrível. Ao final, levantei, me dirigi ao Dr. M. que 

havia me convidado e apresentado ao dirigente geral do congresso, esclareci o quão importante 

havia sido para mim estar ali, como jamais havia visto coisa parecida e como estava impactado. 

Ambos, Dr. M. e o diretor me saudaram, agradeceram a minha presença e com um leve sorriso 

disseram que eu teria alguma história para contar ao retornar à minha pátria. Voltei para a casa 

com a cabeça fervilhando (no melhor sentido que essa palavra pode ter). 

Mas é preciso retornar no tempo um pouco. 

Eram cerca de 10 horas da manhã e lá estava meu nome, pela quarta ou quinta vez, 

numa sequência enfileirada de outros 15 ou 20 nomes numa folha de papel sobre uma mesa 

num dos edifícios relativos ao departamento de Medicina e Cirurgia da Universidade de Pisa. 

Havia chegado algum tempo antes, coisa necessária para não ser atendido só na semana 

seguinte. Pela quinta vez, após 3 horas de espera, escutei meu nome e me direcionei à mesma 

porta, escutei as mesmas palavras e retornei à casa com a cabeça baixa (no sentido mais literal 

que essa expressão pode apresentar). Escrevi o décimo primeiro ou décimo segundo e-mail, 

endereçado à mesma instituição e enfim, após alguns meses, obtive uma resposta diferente. 

Deveria procurar agora uma outra pessoa para enfim começar os meus estágios. Resolvi falar 

com ela via não institucional e a minha surpresa? Em uma semana poderia começar os estágios. 

O que essas dois relatos tem absolutamente em comum, em contrário e em relação ao 

título? Talvez possa não parecer óbvio num primeiro momento mas com certeza tentarei ser o 

mais claro possível nessa explanação. 

Se tem uma coisa que se mostrou clara e evidente nesses meses que estou aqui na Itália 

é o poder do indivíduo. O indivíduo carrega em si uma possibilidade de transformação da qual a 

maioria de nós (e que o autor seja aqui incluído) não faz a menor ideia. Reparem que falei no 

poder do indivíduo e não do individualismo (palavra que pode apresentar dimensão pejorativa 

ou elogiosa mas que não é o foco do texto). O mais interessante é como esse poder de 

transformação se mostra gigantesco quando confrontado com o poder das instituições e da 

institucionalização que as mesmas portam em cada ação. 

É óbvio que não se pode negar que instituições são formadas por pessoas, mas em 

última instancia não se pode negar que com essas pessoas vem escritórios, papeis, relações de 

poder e, como não poderia sair mais inconveniente, a burocracia. Essa palavra soa familiar, 

decepcionantemente familiar para a maioria de nós. É incrível como relações interpessoais sem 

a maior parte dos processos burocráticos podem, quando determinadas as regras e situações, 

tratar o indivíduo com aproximação o suficiente para gerar desenvolvimento. Não que 

instituições sejam desnecessárias, mas quando minimizado o seu papel no nosso mundo o 

mesmo me parece um pouco mais palpável. Sim, é óbvio que recaem sobre os indivíduos o poder 

e o livre arbítrio de decidir ajudar ou não ao próximo. E é nesse ponto que começa a minha 

verdadeira ode ao italiano. 

Sim, sem vergonha alguma, eu teço loas a alguns indivíduos que despidos de 

institucionalização burocrática deram o seu “jeito” de ajudar ao outro indivíduo. Agradeço sim 

como fui acolhido pela secretária, que apesar de não estar em horário de serviço me explicou 

resumidamente como funcionaria o estágio e me encaminhou à sala dos residentes. Agradeço 

aos residentes que, após um café e uma prosa em um intervalo, se mostraram receptivos e 

prontos a me ajudar ,simultaneamente ao processo em que eu me mostrava interessado e 

disposto a ajudar no que fosse preciso, e a ensinar (tendo em vista que na instituição hospitalar 

o meu papel era o de observador restrito). Isso se chama cooperação, e a mais secular forma da 

mesma é a entre indivíduos. Agradeço as enfermeiras e outros profissionais também. Foi muito 

gratificante o dia em que decidi ajudar a transcrever valores de exames para prontuários dos 

pacientes, o que acabou me fazendo permanecer no hospital por mais algumas horas, e que só 

por conta dessas horas eu pude conhecer o Dr. Prof. Palla melhor (cabe aqui um enorme 

parênteses, pois é necessário esse ressalte. Para os que não são dessa área pode parecer um 

nome a mais. Mas aos estudantes da área de saúde existe na pneumologia um sinal que está 

ligado a um quadro de Tromboembolismo pulmonar que é um alargamento da artéria pulmonar 

também conhecido como sinal de Palla, e adivinhem só por que se chama sinal de Palla? Pois é, 

não só tenho aulas como tenho tutoria com o relator desse processo, mundialmente 

reconhecido e publicado em todo livro de medicina que aborda o assunto). Não bastasse isso o 

Prof. Palla se mostrou curioso do Brasil e durante uma conversa me levou ao ambulatório e me 

apresentou ao Dr. M., aquele mesmo do início do texto, após um rápido intervalo de trocas de 

experiências (médicas, futebolísticas e até econômicas) me convidou a comparecer ao 

congresso. O que, porém, poderia ser um problema com os registros e tudo mais foi 

rapidamente conversado com o diretor em um corredor após uma apresentação. Resultado: no 

outro dia lá estava eu e a história o leitor já conhece. 

E assim vamos e continuamos. Se realizarmos, cada um, aquilo que pensamos de bom 

no âmbito individual e cooperativo, serão necessárias cada vez menos institucionalizações para 

fazê-los por nós. A cada um dos italianos e brasileiros que me ajudaram ou que se sentiram 

ajudados por mim vai o meu muito obrigado, respeito sincero enquanto profissionais e 

admiração profunda enquanto indivíduos. A mensagem que fica é a mesma do texto inteiro: 

ajudem, realizem, empreendam, se coloquem no centro das relações e dentro de si que o centro 

seja o outro, desburocratizem e façam o que se pode fazer de melhor ao ser profissional, 

brasileiro e indivíduo, faça o melhor ao seu alcance.